sábado, 15 de junho de 2013


“Feiras”

A nossa mui digna e vetusta cidade, Guarda de seu nome, entrou nos últimos tempos em modo “feira”, esse evento tão tipicamente luso, talvez próximo passo sejam os piqueniques patrocinados por um conhecido hipermercado, à semelhança do que nos últimos anos tem vindo acontecer lá pelo Terreiro do Paço e que se pretende seja um incentivo à produção nacional! Seria com certeza interessante fazer uma análise sociológica, antropológica ou quiçá psicológica destes eventos, fica o repto para quem de direito numa altura em que proliferam os estudos acerca de muitas e vastas insignificâncias que na prática em nada contribuem para o bem-estar e a evolução da espécie humana. Todavia, uma vez que sou um leigo em tais matérias deixo as referidas análises para os doutos mestres, denominados doutores, que insistentemente pululam por aí e vou limitar-me a apresentar alguns factos que me parecem interessantes enquanto mero observador do dito “fenómeno”! Aqui tudo se vende se compra, enquanto se degusta com os olhos numa espécie de suplício de Tântalo perante aquilo que se vê e não se pode adquirir por motivos mais ou menos manifestos, muitas das coisas que se querem comprar por outro lado também não se encontram, irónico q.b.….

É curioso observar como de um momento para o outro as ditas feiras brotaram entre nós como se de cogumelos se tratasse. Há as de antiguidades para os mais saudosistas, as sociais, talvez para se socializar acima de tudo, ou quiçá sejam para os frequentadores das redes sociais agora tão em voga por aí. Aquelas que prometem saldos com promoções acima da média com descontos de 80% ou semelhantes. Convém não esquecer que entretanto tivemos também uma que já celebra mais de 30 anos consecutivos em que se pretende realçar a existência e atribuir prémios ao melhor exemplar de uma raça de bovinos autóctone da nossa região, o que revela a riqueza de uma zona por vezes tão subvalorizada por muitos que têm responsabilidades diretas ou indirectas de a dar conhecer e mostrar os seus produtos endógenos e de reconhecida qualidade. O presente texto ficaria truncado se não referisse a Feira de São João, que se prevê à semelhança do ano transacto um exemplo de vitalidade e que traga um verdadeiro ânimo à cidade que por vezes ao fim de semana parece algo fantasmagórica e deserta.

Enfim tudo isto me faz lembrar uma peça de Gil Vicente, o “Auto da Feira”. Nesta peça Gil Vicente apresenta o mundo como uma feira, onde aparece uma personagem, o bufarinheiro, uma espécie de sr Oliveira da Figueira “avant la lettre” que parece apto e disponível para vender tudo. Enfim venderia a própria alma ao diabo, suma ironia, uma vez que aparece assim disfarçado mas é ele “in persona”. É ele mesmo quem confirma isto ao dizer na sua primeira intervenção: “eu bem me posso gavar/ e cada vez que quiser/ que na feira onde eu entrar/ sempre tenho que vender/ e acho quem me comprar”. Por outro lado parece-me bem sintomático de algumas personagens que surgem sempre nestes eventos e querem vender as pantominices mais esquisitas que se possam imaginar e que prometem curar as doenças mais díspares e ter poderes para prever o futuro de uma forma que faria inveja a economistas, futurólogos, meteorologistas ou quejandos, uma vez que se limitam a dizer o óbvio, o que evita que as suas previsões nos mais diversos campos saiam erradas. Fazem recordar Creso, um grande rei da Antiguidade que uma vez se dirigiu a um oráculo para saber se o seu exército iria ganhar a batalha que pretendia empreender. Ora o dito oráculo na sua proverbial sabedoria limitou-se a dizer: “um grande exército vai ser destruído”, e foi o de Creso, que como é evidente pensou logo na eminente e real derrota do seu antagonista, um logro digno de um grande rei. É notável!

 Seria impensável deixar de lado os santos ditos “populares” e que apadrinham com os seus nomes muitas das feiras e festarolas que por estes dias se desenrolam por estas bandas. Parece-me que não é de todo despiciendo o seu papel em absolver alguns excessos de ordem vária, que por estas alturas são cometidos. Afinal sobre a capa do dito santo, (e isto é mera suposição minha, não possuo qualquer informação extra nesse sentido), que talvez também ele quisesse tomar parte activa na dita feira há pessoas que se encarregam de o substituir à mesa e diligentemente devorar a parte do repasto que caberia àquele, uma tarefa certamente árdua e que exige também ela preparação e muito espírito de sacrifício como aliás convém nestes casos.  

Duas notas para finalizar:

1ª- A substituição dos pórticos nas ex-scut para uniformizar e optimizar o sistema de cobrança de portagens, uma vez que os poucos troços que resistiram até agora sem pórtico também vão ser brindados com um. A cereja em cima do bolo passa pelo facto de os actuais pórticos irem directamente para a sucata o que equivale a dizer que vão mais de 100 milhões “para as urtigas”, chama-se a isto reciclar…

2ª- A possibilidade de uma injúria ao Presidente da República poder ser presenteada com uma coima de 1300 euros, certamente uma forma subtil de calar protestos mais exaltados e quiçá fundados, fica a nota, há que ter tento na língua…

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