“Feiras”
A nossa mui digna e
vetusta cidade, Guarda de seu nome, entrou nos últimos tempos em modo “feira”, esse evento tão tipicamente luso,
talvez próximo passo sejam os piqueniques patrocinados por um conhecido
hipermercado, à semelhança do que nos últimos anos tem vindo acontecer lá pelo
Terreiro do Paço e que se pretende seja um incentivo à produção nacional! Seria
com certeza interessante fazer uma análise sociológica, antropológica ou quiçá
psicológica destes eventos, fica o repto para quem de direito numa altura em
que proliferam os estudos acerca de muitas e vastas insignificâncias que na
prática em nada contribuem para o bem-estar e a evolução da espécie humana.
Todavia, uma vez que sou um leigo em tais matérias deixo as referidas análises para
os doutos mestres, denominados doutores, que insistentemente pululam por aí e
vou limitar-me a apresentar alguns factos que me parecem interessantes enquanto
mero observador do dito “fenómeno”!
Aqui tudo se vende se compra, enquanto se degusta com os olhos numa espécie de
suplício de Tântalo perante aquilo que se vê e não se pode adquirir por motivos
mais ou menos manifestos, muitas das coisas que se querem comprar por outro
lado também não se encontram, irónico q.b.….
É curioso observar como
de um momento para o outro as ditas feiras brotaram entre nós como se de
cogumelos se tratasse. Há as de antiguidades para os mais saudosistas, as
sociais, talvez para se socializar acima de tudo, ou quiçá sejam para os frequentadores
das redes sociais agora tão em voga por aí. Aquelas que prometem saldos com promoções
acima da média com descontos de 80% ou semelhantes. Convém não esquecer que
entretanto tivemos também uma que já celebra mais de 30 anos consecutivos em
que se pretende realçar a existência e atribuir prémios ao melhor exemplar de uma
raça de bovinos autóctone da nossa região, o que revela a riqueza de uma zona por
vezes tão subvalorizada por muitos que têm responsabilidades diretas ou indirectas
de a dar conhecer e mostrar os seus produtos endógenos e de reconhecida qualidade.
O presente texto ficaria truncado se não referisse a Feira de São João, que se
prevê à semelhança do ano transacto um exemplo de vitalidade e que traga um
verdadeiro ânimo à cidade que por vezes ao fim de semana parece algo fantasmagórica
e deserta.
Enfim tudo isto me faz
lembrar uma peça de Gil Vicente, o “Auto
da Feira”. Nesta peça Gil Vicente
apresenta o mundo como uma feira, onde aparece uma personagem, o bufarinheiro, uma espécie de sr Oliveira
da Figueira “avant la lettre” que
parece apto e disponível para vender tudo. Enfim venderia a própria alma ao
diabo, suma ironia, uma vez que aparece assim disfarçado mas é ele “in persona”. É ele mesmo quem confirma
isto ao dizer na sua primeira intervenção: “eu
bem me posso gavar/ e cada vez que quiser/ que na feira onde eu entrar/ sempre
tenho que vender/ e acho quem me comprar”. Por outro lado parece-me bem
sintomático de algumas personagens que surgem sempre nestes eventos e querem
vender as pantominices mais esquisitas que se possam imaginar e que prometem curar
as doenças mais díspares e ter poderes para prever o futuro de uma forma que
faria inveja a economistas, futurólogos, meteorologistas ou quejandos, uma vez
que se limitam a dizer o óbvio, o que evita que as suas previsões nos mais
diversos campos saiam erradas. Fazem recordar Creso, um grande rei da Antiguidade
que uma vez se dirigiu a um oráculo para saber se o seu exército iria ganhar a batalha
que pretendia empreender. Ora o dito oráculo na sua proverbial sabedoria
limitou-se a dizer: “um grande exército
vai ser destruído”, e foi o de Creso, que como é evidente pensou logo na eminente
e real derrota do seu antagonista, um logro digno de um grande rei. É notável!
Seria impensável deixar de lado os santos
ditos “populares” e que apadrinham com os seus nomes muitas das feiras e
festarolas que por estes dias se desenrolam por estas bandas. Parece-me que não
é de todo despiciendo o seu papel em absolver alguns excessos de ordem vária,
que por estas alturas são cometidos. Afinal sobre a capa do dito santo, (e isto
é mera suposição minha, não possuo qualquer informação extra nesse sentido),
que talvez também ele quisesse tomar parte activa na dita feira há pessoas que
se encarregam de o substituir à mesa e diligentemente devorar a parte do
repasto que caberia àquele, uma tarefa certamente árdua e que exige também ela
preparação e muito espírito de sacrifício como aliás convém nestes casos.
Duas notas para
finalizar:
1ª- A substituição dos
pórticos nas ex-scut para uniformizar e optimizar o sistema de cobrança de
portagens, uma vez que os poucos troços que resistiram até agora sem pórtico
também vão ser brindados com um. A cereja em cima do bolo passa pelo facto de
os actuais pórticos irem directamente para a sucata o que equivale a dizer que
vão mais de 100 milhões “para as urtigas”,
chama-se a isto reciclar…
2ª- A possibilidade de uma
injúria ao Presidente da República poder ser presenteada com uma coima de 1300
euros, certamente uma forma subtil de calar protestos mais exaltados e quiçá
fundados, fica a nota, há que ter tento na língua…